terça-feira, 10 de março de 2015

VESTIDO NEGRO




A mulher olhou para o corretor e sorriu antes de dizer:
Adorei! Adorei!
De fato, o apartamento não era de se jogar fora. Tinha 2 quartos e uma sala espaçosa com uma varanda pequena. O corretor sorria plasticamente. Um sorriso já desgastado, porém com toda sinceridade que produz a necessidade.
Hummm….Não sei não… - murmurou o homem que estava com a mulher e que na verdade, parecia ser o seu marido. Um cara alto, moreno, usava um par de óculos que lhe dava um ar de executivo sério. Daqueles que andam pelas ruas da cidade com suas pastas 007 e ar introspectivo. Que falam nos seus celulares com a autoridade de quem está decidindo o futuro da humanidade.
Mas do que você não gostou, amor? – A mulher parecia decepcionada.
O homem adquiriu uma expressão patética. Virou-se para o corretor e disse:
- Não sei! Não sei! Há algo errado aqui. Ainda não sei o que é, mas há.
Os outros olharam para ele pensativos. Olhavam em volta procurando algo. Tentando descobrir o que havia de tão errado com aquele apartamento vazio, porém muito bem cuidado.
Preciso de algum tempo para descobrir. – vira-se para o corretor e diz:
O senhor podia nos deixar um instante a sós? Quem sabe assim não nos decidimos mais rápido?
O homem suspirou mas manteve o sorriso de plástico. Pigarreou.
Claro! Claro! Fiquem à vontade. Vou lá dar uma descida pra pegar um ar e já volto.
Saiu. O casal trocou um olhar e depois levaram as mãos `a boca e caíram na maior gargalhada. Logo a mulher fez um gesto para o homem parar de rir e disse:
Vamos pro quarto? Não tem cama mas isso não é problema, não é?
O homem já estava tirando a calça e falou com uma voz pastosa:
Claro que não. Estou morrendo de tesão.
Meia hora depois os dois ouvem um barulho de chaves e a porta da frente se abrindo. Rapidamente vestiram suas roupas. Quando o corretor chegou na porta do quarto, o homem acabava de abotoar a camisa. Antes que o corretor pudesse falar qualquer coisa, o homem se adiantou:
Muito quente.
O corretor ficou meio surpreso e perguntou:
- Como??
O homem suspirou olhando em volta com uma expressão desolada.
Esse apartamento. Faz muito calor aqui. Estou suando e, confesso, tive vontade de tirar a roupa.
O corretor ficou meio constrangido. Pigarreou.
Bem…Um ar condicionado pode resolver o problema. Mas aqui no Alto da Boa Vista faz frio a noite.
Hummmm….Minha mulher é alérgica. Não pode ficar nem um minuto com esse negócio ligado.
A mulher deu um saltinho entusiasmado.
É verdade, seu Adamastor. O ar condicionado me faz espirrar sem parar. Fico em pânico. Cê nem imagina…
O corretor suspirou.
Bem…A oferta é boa. Pensem nas vantagens.
Vamos pensar…Vamos pensar.
Deu um salto e já estava abrindo a porta.
Qualquer coisa, entramos em contato com o sr., ok?
Desceram pelo elevador `as gargalhadas.

SEGUNDA PARTE.

Depois dessa, Carlos e Heloísa fizeram o mesmo em muitas vezes. Transaram em quase todos os apartamentos que estavam anunciados nos classificados dos jornais. E não importava o bairro: Copacabana,Barra, Tijuca, Ipanema, Vila da Penha,Santa Cruz… Num intervalo entre um golpe e outro, Carlos foi se encontrar com uns amigos do trabalho num pé-sujo do Centro onde contou sua ideia genial:

Não tem erro. Pensem na economia que eu fiz de motel? Rá! Sou um gênio! – falava enquanto bebia um chope gelado.
Mas ninguém desconfiou? – perguntou um amigo, num espanto patético.
Ninguém . Os caras querem tanto vender ou alugar que se esquecem de pensar– Cabou-se Carlos – É claro que não é para qualquer um. É preciso talento. E isso, meus caros, eu tenho de sobra! Só os cínicos conseguem representar com perfeição a sinceridade. Um brinde a isso!!
Levantou o copo brindou com todos os outros.

TERCEIRA PARTE

Vamos Heloísa! Esse apartamento da Vieira Souto é es-pe-ta-cu-lar!
Disse Carlos, animado e impaciente, andando de um lado para o outro. Estavam na Visconde de Pirajá, esquina com Vinícius de Moraes. A mulher olhava deslumbrada para uma vitrine de uma loja de grife.
Espera, Carlos…Olha aquele vestido preto. Eu preciso daquele vestido. Necessito dele como do ar que respiro!
Mais um vestido, Heloísa? Não acredito!
Como mais um??? Esse é O vestido!
Carlos suspirou enquanto olhava em volta, como se alguém fosse aparecer. Na verdade, estava um pouco nervoso. O apartamento que eles iam “correr” dessa vez não era como os outros. Uma verdadeira mansão de 8 quartos e 3 salas de frente para a praia de Ipanema. Além disso, a proprietária era uma socialite famosa. A mesma havia perdido o marido, o encanto pela vida e pelo deslumbrante imóvel. Mas gostava tanto daquele apartamento que resolvera vendê-lo pessoalmente. Não aceitava corretor nenhum. Dizia que só ela saberia dar o valor que a história do lugar merecia. Carlos voltou a falar:
Vamos Heloísa! Prometo que compro um desses pra você quando voltarmos.
A mulher cruzou os braços. Fez cara de triste e falou ansiosa:
Só vou nesse apartamento com aquele vestido! Preciso dele! Ou você acha que com essas roupas que estou usando vou convencer alguém que tenho dinheiro para comprar uma mansão? Acha?
Carlos coçou a cabeça e o peito ao mesmo tempo. Parecia estar sofrendo de uma alergia súbita e fatal.
Está bem! Compra o vestido. Mas vai rápido.
Heloísa entrou esfuziante na loja e 10 minutos depois saía com o deslumbrante vestido preto colado ao seu corpo escultural. Carlos assobiou e ela deu uma voltinha sobre si mesma radiante.
Gostou? – disse com as mãos na cintura e um olhar provocante.
Você está muito gostosa com esse vestido, Helô. Acho que.
A mulher aproximou-se rindo e disse ao pé-do-ouvido do rapaz:
Aguenta só mais um pouquinho, amorzinho.


Quarta Parte

O apartamento era realmente espetacular. A viúva estava na porta para recebê-los com um sorriso pálido.
Boa tarde, senhores. Por aqui, por favor.
Heloísa e Carlos sorriam meio nervosos, mas como já eram experientes no assunto, começaram a representar seus respectivos papéis com um talento de Fernanda Montenegro. A viúva tinha cerca de 50 anos, no máximo, e conservava uma beleza de menina. Seus olhos emanavam um azul sereno. Sua boca carnuda e seus cabelos negros lisos e longos completavam sua beleza triste e sublime. Tudo que é belo carrega a melancolia de um dia morrer.
Vocês foram recomendados pela Carmita de Castro Souza Lima Barbosa Sobrinho? – Perguntou a viúva.
O casal trocou um olhar irônico. Mais uma vez aquela alergia súbita e fatal atacou Carlos. Mesmo assim ele conseguiu dizer entre um pigarro e outro:
Isso! A Carmita…Uma mulher esplêndida.
Sem dúvida! Sem dúvida! Bem…- suspirou a viúva- Vamos começar pelas salas?
Pelas salas? – Falou Heloísa que olhava distraída para os móveis franceses e para tudo que não estava acostumada a ver. Mas o que mais lhe chamava a atenção eram aqueles quadros de Portinari. Para Heloísa era uma contradição ver aquelas figuras de miseráveis em movimento no meio de tão farta riqueza.
Os ricos acham lindo a miséria…dos outros! – Disse sem perceber.
O que foi que você disse? – Perguntou a viúva
Nada…Nada. Estava pensando alto.
Bem…Venham por aqui. Esta é a sala de jantar. Essa mesa pertenceu ao meu bisavô. Ele era holandês e veio para o Brasil no fim do século XIX. A prataria pertenceu ao Rei Eduardo III.
Muito interessante! Muito interessante! – Falou Carlos com um deslumbramento crescente.
De repente o mordomo entra na sala com o telefone nas mãos.
Com licença. Telefone para a senhora.
Quem é, Aderbal?
É o embaixador Coimbra, senhora.
Com licença, senhores. Vou atender e já volto.
A viúva saiu da sala. Carlos e Heloísa trocaram um olhar e começaram a rir.

Que luxo! Isso aqui é um castelo, garota! Aposto que nenhum dos nossos amigos transou num desses.
Com certeza, amor! Com certeza! Espera só a Bia saber dessa!
É verdade…Hehehhehehehe!
Como alguém pode ter tanto dinheiro assim, hein Carlos?
Herança, meu amor…Herança. Ela herdou uma grana preta do pai. Sabe quem era o pai dela? Aquele juiz que roubou milhões do INSS.
Ué? Mas se descobriram que ele roubou, como ela conseguiu ficar com a grana?
Carlos suspirou balançando a cabeça com um sorriso de desdém.
Não seja inocente, Helô. Você não sabe que no Brasil dinheiro herdado, mesmo que roubado, é perdoado?
Heloísa concordou com a cabeça sem nada dizer. Mexia num quadro de Portinari. Estava fascinada com a miséria decorando a riqueza.
Só uma coisa me intriga, Carlos…- Falou, pensativa.
O que é?
Como vamos transar aqui?
Deixa comigo. Sou ou não sou o seu namorado mais criativo?
O homem sorria confiante.
Estão gostando? – disse a viúva entrando de novo na sala.
Maravilhoso! – Falou Heloísa com um olhar deslumbrado – Você deve ter sido muito feliz aqui…
E como…E como…- suspirou a viúva olhando tudo com um olhar repleto de nostalgia – Bem…Mas vocês gostaram? Vão ficar com ele?
O casal trocou um olhar desconcertado. Mas isso durou pouco tempo. Logo Carlos chamou a responsabilidade da resposta para si e disse:
Vamos ver…Preciso telefonar para o meu gerente..advogados…
Fique à vontade.
Carlos tirou o celular do bolso e fez uma ligação. Mantinha um ar introspectivo, como um homem acostumado a fechar grandes negócios.
Santana? Sou eu, Carlos…Preciso que você resgate para mim 8 milhões…De Euros, evidentemente. Certo…Certo…Espero.
Desligou o telefone e olhou para a viúva sério.
Vai me ligar já já.
A viúva suspirou.
Vou para Paris…Desde que fiquei viúva, só me sinto bem em Paris.
Heloísa estava tão fascinada com os quadros de Protinari que acabou mexendo num deles. De repente, um dos quadros caiu da parede e atingiu em cheio o pé esquerdo de Heloísa. Essa soltou um grito rouco e abafado.
Eu falei para você parar de mexer nos quadros, Heloísa! – disse Carlos meio sem graça – Esse quadro deve valer milhões! Será que quebrou?
A viúva se abaixou e pegou suavemente a pernas de Heloísa.
- Oh! Meu Deus! Está doendo muito? Aderbal! Aderbal! Será que precisamos chamar o médico?
Heloísa tentava segurar a dor, mas as lágrimas corriam insistentes pelo seu belo rosto.
Gelo! Gelo é o melhor remédio! – gritou a viúva- Aberbal, traz gelo.
O mordomo demorou 2 minutos e voltou com o saco de gelo. Carlos e a viúva colocaram Heloísa em cima de uma poltrona da sala de estar.
Putz! Como dói! – disse Heloísa se contorcendo quando o gelo encostou no seu pé.
Tadinha – a viúva estava desconcertada – Tenha calma. Aderbal! Chame o Dr. Alencar.
Pois não, madame.
Carlos continuava com aquele quadro de Portinari nas mãos. Examinava-o com todo cuidado, procurando alguma avaria.
Talvez fosse bom comprar uma atadura. – disse a viúva, examinando o pé de Heloísa com delicadeza.
Carlos colocou o quadro de volta na parede e disse:
Eu compro! Vou descer e comprar! Rapidinho! Um minuto!
Saiu correndo em direção à porta. Chegando na rua, saiu em disparada procurando uma farmácia.


Quinta Parte

Carlos demorou meia hora para voltar ao apartamento. Subiu resmungando.
Droga! Nunca pensei que fosse tão difícil comprar uma atadura em Ipanema!
Entrou no apartamento e deu de cara com Aderbal, o mordomo.
Sinto, senhor…Tenho ordens para não deixar o senhor entrar.
Carlos fez uma cara de espanto, assombro ou coisa que o valha.
Como assim? A minha namorada está aí dentro! Ficou maluco?
De repente, Heloísa e a viúva apareceram na sala. A primeira estava com os olhos marejados, um olhar ausente. A viúva olhava para Carlos quase que com pena. Heloísa aproximou-se e disse.
Carlos eu vou ficar aqui nessa casa…Para sempre. – E deu um sorriso para a viúva. Aderbal mantinha os braços barrando a entrada do homem. Carlos não conseguia dizer nada, chegou a esfregar os olhos para tentar acordar daquele pesadelo repentino e surpreendente.
Mas por que, Heloísa, por quê? – foi tudo que conseguiu dizer.
Por quê? Porque fui tocada com suavidade pela primeira vez. Nunca você me deu o carinho que ela me deu.Cansei das suas aventuras. Aliás, ela já sabe que nós não vamos comprar esse apartamento coisíssima nenhuma. E mesmo assim, pediu pra eu ficar. Vamos juntas para Paris.
Carlos estava vermelho. Não sei dizer se de ódio ou vergonha. Aderbal, mantinha-se impassível, como um mordomo de filme B.
Você só pode estar de sacanagem, não é Heloísa?
Nunca falei tão sério em minha vida. Agora sei o que é o amor, Carlos.
Carlos deu um chute na porta.
Porra! Para com essa merda, Heloísa! Vem comigo!
Não vou! Não vou!! Eu descobri o amor! Vou para Paris!
Mas ela é uma mulher, Heloísa! Uma mulher!
E daí? O que importa?
O homem pensou em dizer algo mas não conseguiu encontrar nenhuma palavra com alcance suficiente para reproduzir com fidelidade toda a sua indignação.
Vou ficar aqui Carlos…Obrigado por tudo.
Mas Heloísa…Eu demorei apenas meia hora para comprar a atadura. Você não pode ter mudado tanto em meia hora!!
Heloísa sorriu, e deu as mãos para a viúva.
Eu também pensava assim…Mas agora sei que não existe tempo certo para o amor acontecer.
Putz, Helô! Isso parece papo de novela mexicana!
Pode rir…Mas o amor quando acontece não dá a mínima para o ridículo.
Carlos passou as duas mãos sobre a cabeça.
Puta merda! Isso não está acontecendo comigo! Aliás, cadê o vestido que eu te dei? Por que você está usando essa roupão?
Aderbal! O vestido.
O mordomo pegou uma sacola plástica que estava por perto e entregou nas mãos de Carlos.
E agora Carlos, adeus. Seja feliz. Tomara que você também encontre alguém que te ame de verdade. – Heloísa falou e saiu de cena de mãos dadas com a viúva.
Mas…- Carlos ia falar mas o mordomo o empurrou para fora do apartamento e fechou a porta. O homem ficou parado com o vestido negro na mão diante da porta fechada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário